Resumo:
Em agosto de 2016 eu tive uma aula que mudou meu passado. Ainda hoje, a primeira imagem que me vem à cabeça é a da sala escura com um telão. E nele, o filme de Jean Rouch, Tourou et Bitti, Les tambours d'avant. Todos os outros filmes vieram depois. Todos aqueles sentimentos também. A chuva, o mar, o ar cheio da areia do deserto, o som do tam-tam. Por um momento, eu voltei no tempo. O passado estava na mesma sala escura, onde o filme era projetado. Tourou et Bouti, foi pra mim, como a madeleine de Proust. Um acontecimento benjaminiano, do tipo que “abriga uma semente de eternidade que é como uma “reserva de porvir” infiltrada nele pelo passado”. Passado e presente se encontraram. Mudando o passado, eu comecei a reescrever o futuro. Estranhamente, eu não morava na África na mesma época em que Jean Rouch realizou a maior parte dos seus filmes, na verdade eu nem era nascida. E também nunca presenciei um ritual de possessão. Meus pais, católicos fervorosos, preferiam evitar esse tipo de confronto. O corpo de Cristo podia ser re-encenado a cada culto comandado pelo padre africano – cujo francês, eu não entendia. Mas, o sangue de uma cabra, escorrendo da boca de um nativo, seria impensável. Apesar disso, o filme entrou em mim, correu pelo meu corpo, acordando os cantos onde havia resquícios dos anos de quinino, da malária, dos machucados de infância que deixam suas marcas na pele e dos medos que deixaram suas marcas em outro lugar, que os africanos chamariam de alma. Eu prefiro chamar de memória. O “encontro” com Jean Rouch rendeu um curta metragem que chamei de Jean et moi. Sobre o filme, escrevi: “É um pequeno relato em forma de filme ensaio, sobre o meu encontro com a obra do cineasta francês, que passou a maior parte da vida filmando na África, lugar onde estão guardadas minhas mais preciosas recordações. Na montagem, eu usei trechos de alguns filmes do próprio Rouch, aliadas a imagens de arquivo da minha família e algumas autorais que eu mesma captei. O curta é sobre a minha vida na África, mas é igualmente sobre o exílio e tudo o que dele se desprende: a sensação de não pertencimento, a busca de um lugar que pareça realmente seu, a solidão, o tempo em suspenso do “provisório”, o racismo e a enorme dívida colonialista. Temas que de certa maneira, vão ao encontro de tantas pessoas”. No entanto, se jamais conseguirei dar conta da divida colonialista (que estranhamente, também carrego), a África continua sendo o lugar onde estão guardadas minhas mais preciosas recordações, o lugar do afeto primeiro, da primeira lembrança: o vento quente que envolveu meu corpo na saída do avião que me trazia da Itália. Rememorar “é ver, literalmente, o vestígio deixado fisicamente no corpo de um lugar pelos acontecimentos do passado”. E, se “a memória é muda e precisa do suporte da fantasia”, a fantasia com que Rouch me presenteou, me permitiu acessar uma memória que parecia esquecida. Pensei então, que a ficção poderia ser um antidoto para acessar a verdade dessa experiência. Aquela para a qual só existe o relato, não a imagem. Esse texto aborda enfim, a tentativa de rechear as lacunas da memória, através de imagens cinematográficas. Reconstruindo um passado que não tem registro em imagem. Pretendo investigar a capacidade do cinema intercultural em reconstruir narrativas que de alguma forma foram negligenciadas pela história oficial ou que a lembrança individual não é capaz de recriar por ela mesma. Mergulhando na sensorialidade das imagens, procurar reproduzir em fragmentos a história de uma infância passada na África, do lugar de um imaginário infantil e na qualidade de uma expatriada, igualmente colonizada por um país europeu. Trechos de filmes que, ao contar um pedaço da história africana, contam também um fragmento da minha própria. Esse texto aborda enfim, a tentativa de rechear as lacunas da memória, através de imagens cinematográficas. Reconstruindo um passado que não tem registro em imagem. Pretendo investigar a capacidade do cinema intercultural em reconstruir narrativas que de alguma forma foram negligenciadas pela história oficial ou que a lembrança individual não é capaz de recriar por ela mesma. Mergulhando na sensorialidade das imagens, procurar reproduzir em fragmentos a história de uma infância passada na África, do lugar de um imaginário infantil e na qualidade de uma expatriada, igualmente colonizada por um país europeu. Trechos de filmes que, ao contar um pedaço da história africana, contam também um fragmento da minha própria.
Linha de pesquisa: Comunicação e Experiência
Data: 16 de fevereiro de 2022
Hora: 15h
A defesa ocorrerá por vídeoconferência
Banca:
Profa. Dra. Andrea França Martins, presidenta e orientadora - PPGCOM PUC-Rio
Profa. Dra. Liliane Heynemann - membro interno - PUC-Rio
Profa. Dra. Patricia Machado - membro interno - PPGCOM PUC-Rio
Profa. Dra. Patricia Rebelo - membro externo - UERJ
Profa. Dra. Consuelo Lins - membro externo - UFRJ
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